Enquanto alguns deixaram salário e estabilidade para investir na própria ideia, outros encontraram espaço para intraempreender ou incubar projeto em um negócio já estabelecido.
Mariana Achutti foi aluna da primeira turma da Perestroika, uma escola de metodologias criativas, no curso de atendimento publicitário. Anos depois, em 2010, foi contratada como diretora para liderar os planos de expansão da empresa. Um de seus projetos foi apoiar o desenvolvimento da Escola da Rebeldia, frente de treinamento interno da Reserva.
A Perestroika tem como foco o modelo business to consumer (B2C). Projetos corporativos como o do grupo de moda surgiam de forma orgânica, devido à proximidade com algumas empresas. Em 2014, de olho no potencial dessa frente, Achutti teve a ideia de desenvolver uma escola dedicada aos cursos in company. Dois meses depois, ela fundou a Sputnik.
Não foi preciso pedir demissão ou embarcar em uma dupla jornada: a empreendedora sugeriu a ideia aos donos da Perestroika, e a Sputnik nasceu como uma spin-off da escola. Achutti passou a ser sócia e CEO do novo negócio, contando com a infraestrutura e o nome da empresa-mãe no mercado.
Um dos primeiros clientes foi o Facebook, em um projeto que se expandiu por países como Estados Unidos, Colômbia, México e Argentina. “Vejo muitas empresas pedindo que seus times sejam mais protagonistas e motivados. Mas para isso eles precisam visualizar que podem um dia ser donos de algo”, diz ela.
O estímulo ao desenvolvimento de inovações entre funcionários deu origem ao conceito de intraempreendedorismo. Nem todas as suas formas resultam na criação de uma nova empresa, podendo gerar novos processos ou produtos no próprio negócio. A Sputnik, porém, ganhou CNPJ próprio e se tornou maior do que a própria Perestroika, em faturamento e em número de cursos.
Um dos desafios do modelo, segundo a empreendedora, é definir a identidade da nova frente. “Você precisa tentar se adaptar à cultura existente, mas criando a sua própria, até para que o ecossistema do grupo se alimente dessa inovação”, diz ela. “É uma alternativa positiva para o intraempreendedor e para a empresa.”
Suporte externo
A incubação é outra prática que vem ganhando espaço, em especial no mundo das startups. Nela, o negócio recebe suporte de uma empresa ou incubadora em sua fase inicial de desenvolvimento. Foi o caso da Mindsight, fundada por Thaylan Toth em 2015. A startup leva inteligência de dados para a área de RH e passou dois anos incubada na Stone.
Toth já havia desenvolvido soluções na área para clientes como a Fundação Estudar. Os sócios da Stone o conheceram nesse período e o procuraram em 2016 com interesse em sua experiência. Já desenvolvendo o primeiro produto da Mindsight, com foco em fit cultural, ele apoiou a empresa em processos seletivos durante cerca de três meses.
Depois, recebeu uma proposta. “Eles queriam me trazer para perto, mas sabiam que eu não iria querer largar a minha empresa. Então viraram meus acionistas minoritários e ficamos incubados lá dentro”, conta o empreendedor. Além do investimento de R$ 200 mil, o acordo permitiu que a startup funcionasse dentro do próprio escritório da Stone.
Em contrapartida, Toth assumiu o cargo de diretor de RH e apoiou a empresa em um período de rápida expansão do quadro de funcionários. “Não havia um contrato dizendo que ficaríamos incubados por um tempo e depois sairíamos. O principal ponto foi confiança”, diz. Para conciliar as duas posições, ele contou com o apoio de um sócio e cinco funcionários próprios. A Mindsight mantinha alguns outros clientes, mas concentrava o desenvolvimento das soluções nas necessidades da Stone.
A parceria teve fim no início de 2019, mas a empresa se manteve como cliente. A startup hoje atende 330 empresas e prevê faturar R$ 7 milhões em 2020. A validação das soluções e a segurança financeira foram as principais vantagens do modelo, segundo o empreendedor. “O desenvolvimento foi mais lento do que seria se eu estivesse full time. Mas eu fui o principal cliente da minha própria empresa, o que é totalmente diferente de começar na garagem.”
Transição completa
A busca por agilidade foi o motor para que Cristián Sepúlveda e José Rocha seguissem o caminho mais tradicional (e arriscado) ao empreender. Os dois tiveram uma longa carreira no setor de atendimento ao cliente e notaram uma carência expressiva por tecnologia. Mas não viam espaço para inovar na multinacional em que trabalhavam.
“Não tem como fazer um transatlântico dar cavalinho de pau. A inovação pressupõe experimentação, e uma empresa grande tem medo de errar”, diz Rocha. A proposta de trazer tecnologia e eficiência para o call center resultou na criação da Genoa Performance, em 2017. O próprio nome é simbólico: genoa é um tipo de vela que ajuda embarcações a ganhar velocidade.
Rocha diz ter cultivado o desejo de empreender por pelo menos 10 anos até sentir que era o momento certo. Pesavam na decisão a preocupação com a família e o padrão de vida compatível com o cargo de vice-presidente que ocupava. Sepúlveda já havia dado um grande passo: deixou o emprego para tirar um ano sabático e viajar pela América Latina. Em 2018, embarcou na Genoa como sócio.
A neurocientista Carla Tieppo também ingressou no negócio, trazendo uma experiência complementar à dos sócios: o conhecimento sobre comportamento e sua relação com a inteligência artificial. Um time de 15 desenvolvedores ajudou a testar as primeiras soluções pensadas por eles. Foi preciso se acostumar a uma equipe mais enxuta.
“Como executivo, eu tinha uma equipe de mais de 1 mil pessoas. Mudei para um cenário em que estava praticamente sozinho e tinha que solucionar todo tipo de problema, muitas vezes com poucos recursos”, diz Sepúlveda. Por esse e outros fatores, ele diz a resiliência é importante em uma transição como essa, assim como a estabilidade financeira.
Os sócios investiram cerca de R$ 1,5 milhão no projeto. Em maio, receberam um aporte de R$ 2,5 milhões. O break even (ponto de equilíbrio) está previsto para o fim deste ano. No meio do caminho, Rocha diz ter recebido propostas de cargos de vice-presidente e presidente de empresas. Não se arrepende de ter recusado. “Antes, se eu tinha uma ideia, precisava passar por sete camadas organizacionais para chegar na construção. Hoje eu bato no ombro da pessoa do meu lado.”
Fonte: https://revistapegn.globo.com/